“Sobriety” / “Sobriedade”
As coisas mais incríveis são-nos ditas rápidas, sinceras, sem tempo, sem vontade, apenas ser na mais pura das formas. Com mais pura quero dizer mais simples, mais plebeia, na linguagem mais materna que aprendemos, na que usamos sempre, na que nos sai dos poros quando a tensão aumenta.
Ontem, numa conversa bem usada ao telemóvel ouvi a voz do outro lado dizer:
“Sou um gajo sóbrio da vida.”
Perguntam-se vocês de onde vem então esta sobriedade, de que se trata.
Garanto-vos que é um estado de consciência, de maturidade, de quem leva a vida a sério. Pode ser também um oxímoro, em que o sujeito se submete às mais extraordinárias substâncias para obter vida na sua sobriedade perdida momentaneamente. Engraçado. Viver uma vida sóbria neste caso implica estar dentro de uma vida alucinada, que por sua vez jaz num estado de profunda lucidez que ultrapassa todas estas camadas. Como num sonho. Em que só compreendemos em que nível estamos quando chegamos à estaca zero: o acordar.
E esta voz que tossia, do outro lado, sonhava coisas tão incríveis acordado. E tinha a certeza de as ter sonhado, apreciando-as com um consciente intocável, nem mesmo pelas drogas.
Trata-se de uma âncora ancorada numa profundidade que muitos têm medo de explorar no seu quotidiano. Isto porque pensam em números, em vitórias, em ganhos, tudo em linguagem exterior, do hemisfério fácil, conhecido e esquerdo, e perdem um avanço grande em si mesmos. Perdem a possibilidade da plenitude. Ficam sem fôlego no mergulho, no impacto de se conhecerem pela primeira vez. Inconscientes. Mergulham contaminados. Contaminados de drogas. Têm-nas nos ouvidos, nas próprias bocas e nas palavras que delas saem. Não respiram nas águas das placentas da personalidade.
Ausência. Perderam-na à nascença de um novo ser que criaram para si. Mais cómodo, mais alinhado com a sociedade. Fazem-se acompanhar dela. Descobrem que a solidão é a ausência de si mesmos.