“Once I saw her twice down third avenue on a Wednesday around 5 PM.”

Desce a imagem de um túnel do cimo das escadas arqueadas e afuniladas. A música escorrendo degrau a degrau, em direção à poesia.

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“Misérias do Milénio

Comidas em Janeiro

Pousio inculto

A embrutecer de seiva

Esquece.”

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A porta de madeira que nos separava do exterior, de algo mais real desencadeado pelo barulho das vozes histéricas e afundadas em álcool e drogas. As nossas vozes caladas eram embaladas pelo som vibrante das colunas gigantes do cimo da escadaria cheia de contrastes.

Descemos mas parece que subimos. Retrocedemos uns instantes. Subimos com as consciências em espiral para o último andar do prédio. Um bar, cadeirões desproporcionais em relação ao tamanho do quarto e ao tamanho das almas. Era um país de maravilhas. À minha esquerda uma sala escura, bordada de pessoas em volta das paredes envoltas de nuvens de fumo da cor das suas auras.

“Isabel, fumamos uma ali dentro?”

Sim, claro.

Esse quarto passou a estar à minha direita, segui o corredor até ao terraço. O teto era de madeiras entrelaçadas umas nas outras e cheias de buracos que deixavam ver o céu não demasiado saturado, já que era possível ver algum brilho de estrelas. Sentamo-nos frente a frente com as cadeiras ao contrário. Éramos um grupo de amigos, mas eu era só com ele. Olhamos em volta, para a dimensão mágica a que tínhamos chegado. Partilhamos ambições, discutimos filosofias. Enrolamos tudo e fumamos no muro altíssimo do terraço escuro e iluminado.

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Agora sim, descemos, vagueamos pelas ruas íngremes dos bairros abandonados pelas gentes cansadas.

Tenho a impressão que apanhamos o autocarro do tempo que voou. Mas já não sei.

Sentámo-nos num jardim, os olhares cruzavam-se, tocavam-se e fugiam.

Caminhávamos mais e mais.

“Tu não podes estar tão centrada na tua carreira, não podes pensar que tudo o que te faz cair é um entrave. Podes estar a cair em algo maravilhoso. Já usaste muito no teu tempo a investir em ti.”

E estica-me a mão.

Porque é que tens a mão aí esticada?

[Importas-te de parar de questionar tudo, de pôr racional em tudo e perderes tudo nesta noite, com ele?]

E não sei como, naquele momento perdi. Perdi-me e encontrei-me nele.